Um bichinho chamado Desânimo

Por: Pr. Eliézer R. Abreu

Existe um filme dos estúdios Walt Disney que conta uma história do tipo “Alice no país das maravilhas”, contendo um episódio de luta entre duas mulheres mágicas.

A tática de luta entre elas era a de se transformarem em seres diferentes a cada momento: quando uma virava um rato, a outra se transformava em gato. Para vencer o gato, surgia a figura do tigre, que era colocado sob a ameaça de um rinoceronte, enfrentado por um dinossauro.

A disputa continua até o ponto em que uma delas assume a forma de um imenso dragão voador, cuja aparência é de um ser imbatível. A batalha parecia ter chegado ao fim, quando a outra simplesmente desaparece.

A primeira reclama que as regras do combate não permitiam o uso da invisibilidade, e que estaria havendo trapaça, no que é contestada com a declaração de que não havia ocorrido o uso da invisibilidade, mas sim a transformação de uma delas em um micróbio invisível de uma doença mortal aos dragões, que agora se encontrava na corrente sanguínea do monstro.

Não é preciso detalhar o fato de que a esperteza resultou na vitória da mulher que adquirira a forma minúscula do gérmen fatal.

Certamente essa história não passa de um desenho animado para distrair crianças, mas nela está contido um sentido prático, que não está longe de nossas ações diárias, nos mais variados campos das atividades.

Curiosamente, há momento em que os gigantes da vida, as montanhas do caminho, são vencidos e superados, mas os microinimigos e o cascalho que estão sobre a estrada nos atrapalham, nos derrubam e fazem com que percamos nossos objetivos e sonhos.

A atuação do desânimo na vida do cristão

Embora nós, os cristãos, tenhamos por costume enfatizar pontos altos das Escrituras, fazendo seus personagens nossos “heróis” e cujo exemplo deva ser seguido, a vida não é fácil, e tanto nosso dia a dia, como aquele dos servos de Deus do passado, envolvem momentos de profundo desafio.

Relembremos dois momentos da vida de Moisés:

MOMENTO 1 - Moisés estende a sua vara e faz com que as águas do Mar Vermelho se abram:

“Então disse o Senhor a Moisés: Por que clamas a mim? Dize aos filhos de Israel que marchem. Então Moisés estendeu a sua mão sobre o mar, e o Senhor fez retirar o mar por um forte vento oriental toda aquela noite; e o mar tornou-se seco, e as águas foram partidas.” (Êx 14:15-16)

MOMENTO 2 - Moisés entra em desespero, desanima de sua missão, por causa do mesmo povo que havia cruzado o Mar Vermelho e saído de Egito, e pede a Deus que risque seu nome do Livro da Vida.

“Assim tornou Moisés ao Senhor, e disse: Ora, este povo pecou pecado grande fazendo para si deuses de ouro. Agora pois perdoa o seu pecado, senão risca-me, peço-te, do teu livro, que tens escrito.” (Êx 32:32-34)

De acordo com as palavras de Jesus (Lc 10:20), ter nosso nome escrito no Livro da Vida é algo absolutamente superior a qualquer outra coisa. Significa a segurança de uma vida eterna junto de Deus.

Tão grande foi, contudo, a frustração de Moisés diante das dificuldades em cumprir a missão a ele confiada por Deus, que o sentido de valor se desvaneceu sob o peso do desânimo, e pediu algo inaceitável: perder a oportunidade de viver o eterno. De certa forma, Moisés colocou sua missão acima da relação pessoal com o Senhor, um erro perigoso que qualquer um pode cometer.

É verdade que a Bíblia promete a remoção de montanhas pela fé (Mt 17:20), e isso é uma verdade tão significativa que nossos inimigos, liderados pelo adversário de Deus, o diabo, procuram outras técnicas para atacar.

Pense naquele pneu que amanheceu furado, exatamente quando você está atrasado para uma reunião, a tal matéria da escola que é um horror e cujo professor é um tremendo carrasco, ou do recibo do imposto de renda que some no dia em que a Receita Federal coloca você na malha fina...

A lista poderia ir bem longe e incluiria, certamente, fatos que acontecem conjugados do tipo: óculos de grau que quebra exatamente quando você teria que fazer aquele teste difícil para um novo emprego, e igualmente a chave na porta da rua que quebra na fechadura.

As “pedrinhas” que são colocadas em nosso caminho têm uma aparência praticamente inofensiva, mas seu potencial de atrapalhar nossa existência, e mesmo a nossa fé, é bastante grande. Aqui é que entra em cena o tal do “bichinho”, pequeno, quase invisível, mas tão destrutivo como um vírus mortal, chamado “desânimo” .

Uma das razões pela quais ele é tão incômodo e nocivo deriva do fato de que, sendo gerado por estímulos externos, se instala no interior da pessoa e, a partir dos sentimentos humanos, emerge subitamente com todo seu potencial destruidor.

Por outro lado, sua consistência é aquela de um “fantasma”, não podendo ser “agarrado” por meios comuns, lançando raízes desde o passado distante até o futuro, de forma sutil. Com grande agilidade ele se desvia de armas que foram projetadas para vencer gigantes. Como um bom “bichinho”, ele penetra em todas as frestas da nossa mente e em todos os pontos fracos que a vida produziu em nossa estrutura emocional.

Todos temos “pontos fracos e frestas” da mente, geradas por nossa nossa história de vida, pela educação que recebemos e que, nem sempre, foi fundada na Bíblia. Podemos citar também o remorso de erros passados, que deveriam estar esquecidos pois Jesus já os perdoou, as frustrações, baixa auto-estima, as feridas causadas por desilusões emocionais, carência de dinheiro, falta de afeto, entre outros.

Seguramente, o “desânimo” é um dos “office boys”, um dos mensageiros do diabo, colaborando em tudo que pode para a realização da tarefa do inimigo que é “roubar, matar e destruir” (Jo 10:10).

A experiência do profeta Jonas

“Então Jonas saiu da cidade, e assentou-se ao oriente da cidade: e ali fez uma cabana, e se assentou debaixo dela,à sombra, até ver o que aconteceria à cidade.E fez o Senhor Deus nascer uma aboboreira, que subiu por cima de Jonas, para que fizesse sombra sobre a sua cabeça, a fim de o livrar do seu enfado: Jonas se alegrou em extremo por causa da aboboreira. Mas Deus enviou um bicho , no dia seguinte ao subir da alva, o qual feriu a aboboreira, e esta se secou. E aconteceu que, aparecendo o sol, Deus mandou um vento calmoso, oriental, e o sol feriu a cabeça de Jonas; e ele desmaiou, e desejou com toda a sua alma morrer, dizendo: Melhor me é morrer do que viver” (Jonas 4:5-8).

Podemos apreender algumas coisas interessantes com o dilema de Jonas:

• Quando nos assentamos para “pensar na vida”, e paramos de pensar em Deus e de agir para resolver os problemas, o “bichinho” ganha força.

• Queremos ter as bênçãos e nos alegramos quando as delas podemos desfrutar. O bem estar em excesso nos tira a fibra, afasta nosso pensamento do que é espiritual (Pv 30:8-9), abrindo mais espaço para o “desânimo”.

• Se o bicho enviado por Deus, que era uma prova e uma forma de esclarecimento para o profeta renitente, houvesse picado Jonas, provavelmente nada aconteceria. Ao atacar a planta, ponto fraco daquele homem pelo prazer que sentia com a “sombrinha”, o efeito foi rápido e profundo (“onde estiver o teu tesouro, ali estará o teu coração” Lc 12:34).

• Quando se fala em “desmaiar”, não se refere a um estado de saúde física debilitado, mas demonstra o abatimento que o desânimo provoca nas pessoas.

• Pode parecer que essa história do “bichinho” seja algo simples e facilmente superável mediante um “bom papo” com os amigos, uma visita ao shopping, ou uma diversão qualquer, mas na realidade é de efeito muito profundo.

Pare por um instante e avalie se, em alguma ocasião, já não se sentiu como o profeta Jonas, de tal forma que uma “plantinha” tão acalentada na sua vida foi “picada” por um bichinho chamado desânimo; que lhe pareceu que tudo estava acabado e não valia mais lutar pela vida.

Tais ataques do desânimo são encontrados em vários relatos bíblicos e atingiram pessoas fracas ou mesmo aquelas de alto nível espiritual, heróis da fé, exemplos de vida. Dentre eles podemos citar:

ELIAS: Era um homem profundamente entrosado com Deus, contudo, após a memorável vitória contra os profetas de Baal, sentiu o peso das ameaças de Jezabel e duvidou da validade de seu trabalho, escondeu-se em uma caverna como um perdedor qualquer e desejou a morte (I Rs 19:1-18).

JOÃO BATISTA: O “maior homem nascido de mulher”, destemido em sua pregação, tendo apresentado o Cordeiro de Deus ao mundo, entrou em uma crise de desânimo na prisão, não sabendo se havia cumprido sua missão (Lc 7:18-23).

A MULHER DE JÓ: Uma madame despreparada para enfrentar desafios, ficou completamente desanimada quando seu esposo não era mais detentor de bênçãos e propôs que ele abandonasse o Senhor e morresse. Isso nos indica que temos que ir diretamente a Deus, sem nos ater as pessoas, e que parente de justo não é necessariamente justo (Jó 2:9-10). Muitas vezes convivemos com a benção, freqüentamos a benção, mas não suportamos a menor brisa de desafio, desanimando rapidinho.

O POVO DE ISRAEL: Contaminados pelo desânimo dos espias enviados à terra prometida, também perderam o ânimo e desistiram de se apropriar da benção, com ela ao alcance de suas mãos (Nm 13:21-22 e 14:1-5).

ISAÍAS E GIDEÃO: Dois homens chamados por Deus e que queriam desanimar mesmo antes de iniciar suas missões, pelo fato de estarem com o olhar fixo nas suas limitações, desapercebidos de que o poder divino se mostra mais intenso diante de nossas fraquezas (Jz 6:11-16; Is 6:1-5).

O desânimo tem a facilidade de chegar rápido até nós, em uma estratégia que pode até parecer nosso amigo, muito condescendente com nossos problemas. Ele nos oferece um falso carinho e nos promete o consolo do esquecimento afirmando: “Deixe de lutar, você já sofreu demais, relaxe.”

A FÉ, A ESPERANÇA E O AMOR

Quando o “bichinho” ataca, seus alvos são as três coisas essenciais que norteiam a vida do cristão:

A FÉ - Sendo o desânimo algo imaterial, ele atua exatamente no campo daquilo que “não pode ser visto e que ainda se espera”, impedindo que possamos agradar a Deus (Hb 11:6). Daí, a base desvanece, destruindo projetos e sonhos que conquistamos através da linguagem da fé.

A ESPERANÇA – É um alvo para o desânimo na medida em que se coloca entre nós e as promessas de Deus, embaçando a visão do futuro, dando ao diabo a oportunidade de apresentar suas mentiras de que não existe Deus, e que se Ele existe não se importa com você, sendo impossível o perdão dos pecados, a recepção de bênçãos, a salvação, a volta de Cristo e a ressurreição (Cristo em nós é a esperança da glória – Cl 1:27).

Um exemplo clássico na Bíblia são as irmãs de Lázaro, que se dirigiram a Jesus completamente desanimadas, pois tinham perdido a esperança de ver novamente seu irmão com vida (Jo 11.20-24).

O AMOR - Pela simples razão de que o desânimo tira a força interior do homem, sua motivação e, conseqüentemente, sua coragem. Isso equivale a ter medo, que é um elemento capaz de anular o amor.

“No amor não há medo antes o perfeito amor lança fora o medo; porque o medo envolve castigo; e quem tem medo não está aperfeiçoado no amor.” (I Jo 4.18)

Quando o amor preenche o coração e a mente de uma pessoa, ele lança fora o medo e também não admite o desânimo, uma vez que tem uma missão de vida voltada para os outros e não para si mesmo.

Algumas das mais expressivas vitórias da Bíblia estão diretamente associadas à determinação de pessoas que não desanimaram diante das situações adversas:

  • Jacó: Lutou com Deus (Gn 32:22-32)
  • Josué: Luta sempre (Js 1:1-19)
  • Eliseu: Quer o dobro (II Rs 2:1-11)
  • Paulo: Supera as adversidades (II Co 4:8-10)

Conclusão:

Quando a tristeza nos envolve, fica muito difícil ver a benção, mesmo que ela esteja ali ao nosso lado. Veja o que aconteceu com os dois discípulos no caminho de Emaús, que lamentavam a morte de seu Mestre dirigindo-se exatamente a Jesus, que já havia ressuscitado (Lc 24:13-35)!

Levante os olhos e não fique “chorando o leite derramado”. Quem sabe a bênção está mais perto do que você imagina! Troque o bichinho desânimo pela certeza das promessas de Deus, que fortalece e neutraliza qualquer vírus de derrota na sua vida.

Que o Eterno te abençoe.

“...porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia.” (II Tm 1:12).



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